Médico-veterinário diz que, Infelizmente, os métodos de insensibilização a campo recomendados cientificamente ainda não são conhecidos por muitos produtores.
Promover a disseminação de informações importantes sobre o bem-estar, relacionado com a prática de insensibilização de animais a campo é o objetivo do trabalho de muitos médicos-veterinários, que trabalham no dia a dia, com a produção de suínos. Um destes profissionais é o pesquisador e coordenador técnico de bem-estar animal da MSD Saúde Animal, Filipe Antonio Dalla Costa. Nesta matéria, produzida por meio de uma entrevista exclusiva ao O Presente Rural, ele enaltece a importância de atender normas e de prezar pelos cuidados com o animal no momento de fazer a eutanásia.
O profissional disse que o maior objetivo da insensibilização para eutanásia a campo é evitar e reduzir o sofrimento do animal de forma humanitária, por meio de métodos adequados, validados cientificamente e aceitos pela sociedade. “Infelizmente esses métodos ainda não são conhecidos por muitos produtores”, aponta. Ele explica que em 2018, durante o período em que estava cursando o doutorado, liderou um levantamento junto a Embrapa Suínos e Aves, Maneja Consultoria e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em mais de 320 propriedades rurais para identificar os principais métodos utilizados.
Foto: Arquivo/OP Rural
O grupo identificou que os métodos mais utilizados eram concussão manual (90%), sangria sem insensibilização prévia, eletrocussão por sistemas caseiros e deixar o animal morrer sem realizar eutanásia. “Esses dados foram surpreendentes porque revelaram o desconhecimento de práticas mais modernas e recomendadas, uma vez que os métodos de sangria sem insensibilização prévia, eletrocussão caseira e concussão manual para animais de creche, terminação e reprodutores não são recomendados e aceitos”, revela.
Pesquisador Filipe Antonio Dalla Costa – Foto: Arquivo Pessoal
O profissional expõe que a equipe também detectou que apenas 7% dos produtores receberam pelo menos uma orientação ou treinamento de eutanásia, o que justifica, em partes, a adoção de métodos inadequados para a eutanásia a campo e, principalmente, a decisão de não realizar a eutanásia, por sentimentos de desconforto com a prática. “Isso nos traz uma grande oportunidade de desenvolvimento e treinamento para produtores e indústrias. Realizamos um levantamento na literatura e, mais uma vez, para nosso espanto, identificamos que os métodos recomendados não estavam validados de forma científica. Assim, junto à Embrapa Suínos e Aves, avaliamos os métodos identificados e as alternativas comerciais com tecnologias europeias, por meio de eletroencefalograma, eletrocardiograma, avaliações clínicas e patológicas para determinarmos os métodos que poderiam ser utilizados e a forma de aplicação”, informa.
Filipe ressalta que esse é o maior estudo com métodos de eutanásia para suínos já realizado no país e que o mesmo foi conduzido por cientistas brasileiros. “Esse estudo e desenvolvimento da pesquisa somente foi possível com o apoio dos pesquisadores Osmar Antonio Dalla Costa (Embrapa Suínos e Aves), Troy John Gibson (Royal Veterinary College), Neville Gregory (Royal Veterinary College), Steffan Edward Octávio Oliveira (Maneja Consultoria), Charli Ludtke (ABCS) e Lizie Buss (Mapa)”, reconhece.
Benefícios e desafios
Entre as principais vantagens que a prática de insensibilização de animais a campo traz, o pesquisador destaca que o maior benefício é acabar com o sofrimento do animal de forma humanitária sem prejuízos aos animais, pessoas e sociedade por meio de métodos validados e seguros.
O profissional também evidencia que a prática traz desafios, porque auxiliar os produtores sobre o momento certo de praticar a eutanásia é uma tarefa bastante difícil. Segundo ele, os animais enfermos sem capacidade de recuperação, além de estarem sofrendo, representam um reservatório de doenças para a propriedade, comprometendo a saúde e bem-estar do rebanho e das pessoas. “Porém, sensibilizar os produtores da eutanásia nem sempre é fácil, principalmente quando os produtores querem segurar animais na expectativa de eles se recuperarem mesmo quando não apresentam mais viabilidade biológica e comercial”, reflete.
Ele argumenta ainda que a geração atual possui muitos técnicos e filhos de produtores que se recusam a eliminar os animais por se sentirem desconfortáveis com os métodos e a prática de forma geral. “Contudo, é papel nosso, como técnicos e cientistas, capacitarmos as pessoas para tornar o método mais aceitável”, defende.
O pesquisador apresentou mais uma constatação do levantamento, revelando que cerca de 85% dos profissionais envolvidos na criação de suínos enfrentam desconforto ao realizar a eutanásia. Muitos relataram sentimentos de desconforto e tristeza, que podem perdurar por horas ou até mesmo dias. Diante desse cenário, o pesquisador enfatiza a importância de utilizar esses resultados para orientar os treinamentos e aprimorar as práticas de campo. “É essencial reconhecer que esse desconforto é compreensível e estabelecer redes de apoio para os profissionais envolvidos na produção, visando cuidar do bem-estar emocional e psicológico de todos os envolvidos”, recomenda.
Métodos validados
O profissional explicou que atualmente existem três métodos validados cientificamente para suínos que estão sendo adotados pelas indústrias: a concussão mecânica, eletrocussão por sistemas comerciais e anestésicos barbitúricos como o T61. “Oferecer um procedimento aceitável é praticar a ética, enaltecendo sempre o bem-estar do animal, optando por uma prática que seja humanitária para os animais, insensibilizando-os de forma instantânea, segura para o operador e aceita pela sociedade para garantirmos a sustentabilidade do sistema produtivo. Para o animal, a técnica humanitária deve garantir a insensibilização instantânea e permanente do indivíduo para não haver sofrimento desnecessário. Para as pessoas, a técnica deve ser de fácil aplicação e não pode oferecer riscos à saúde física e mental. E para sociedade, a técnica não deve parecer cruenta (em que há sangue derramado) ou agressiva de forma a comprometer a imagem do sistema de produção. Esses métodos são capazes de realizar a eutanásia de forma a promover o bem-estar único”, expõe.
Regulamentação
O profissional informa que os critérios e regulamentações que devem ser seguidos para garantir a adequada insensibilização de animais a campo estão disponíveis na Instrução Normativa 113 do Mapa, bem como as normativas do Conselho de Medicina Veterinária. “O técnico responsável pela prática deve ter um treinamento formal para entender quais as alternativas disponíveis de acordo com cada realidade, como aplicar os métodos, como identificar a efetividade da prática e o momento ideal de realização. Isso é primordial para uma execução eficiente”, pondera.
Novos caminhos
O palestrante discorreu também que a adoção das práticas corretas possibilita diminuir eventuais prejuízos a imagem e reputação do sistema produtivo. “Contudo, desde a realização da pesquisa, já houve uma evolução muito grande e adoção voluntária por muitas das grandes empresas do agro. Agora, precisamos evoluir nos métodos, tornando a prática mais acessível a todos e desenvolvendo novas alternativas”, defende.
Ele destacou que existem inovações recentes nessa área que estão contribuindo para melhorar a eficácia e a segurança da insensibilização de animais a campo. “A inovação mais disruptiva nesse tema foi a validação dos métodos de concussão manual e eletrocussão, por meio de sistemas comerciais. Acredito que a próxima fase seja a adoção do uso de anestésicos barbitúricos, principalmente em situações de eutanásia para necrópsias a campo, que além de melhorar o bem-estar dos animais é uma prática mais aceita pela sociedade”, sugere.
Ele cita ainda a importância de entidades e empresas promoverem a conscientização sobre a insensibilização adequada de animais a campo. “A conscientização do uso correto das práticas de eutanásia tem sido feita por meio de palestras, treinamentos e materiais didáticos. Em 08 de agosto, no Simpósio Brasil Sul de Suinocultura (SBSS), será lançada a cartilha ilustrativa sobre a legislação de bem-estar animal, a IN 113”, finaliza.
Fonte: O Presente Rural