Bem-Estar Animal

CONFINAMENTO: DUAS TÉCNICAS QUE VALE A PENA ADOTAR


Experimento mostra que aclimatação na chegada ao confinamento e exercitação pré-abate pode resultar em melhor desempenho no cocho e no gancho


Aclimatação: animais rodam pelos quatro cantos da baia, sem serem tocados.

Aclimatação: animais rodam pelos quatro cantos da baia, sem serem tocados.

Em um ano de possível estabilidade no número de animais confinados no País, que não deve ultrapassar 7 milhões de cabeças, a pecuária continua trabalhando sob a pressão mundial para a produção sustentável, respeitando o bem-estar animal. Um experimento realizado no confinamento da Grande Lago, em Jussara, no oeste goiano, com 1.200 machos anelorados, pode reforçar essa premissa, ao mostrar que técnicas de manejo como a aclimatação dos animais na chegada ao confinamento e sua exercitação pré-abate (visando reduzir a agitação na hora do embarque) podem melhorar o desempenho no cocho e no gancho.

O experimento foi realizado entre os meses de abril e agosto de 2022, por meio de uma parceria entre a empresa BE.Animal, de Jaboticabal (SP), voltada ao bem-estar animal, e a multinacional norte-americana MSD, fabricante de produtos veterinários. Coube à última o treinamento dos vaqueiros e a padronização dos manejos adotados, dentro do programa de baixo estresse “Criando Conexões” da MSD, que já capacitou mais de 7.000 trabalhadores no País.

Os animais foram recriados em uma fazenda localizada a 45 km do confinamento e, depois, transportados a pé até o local da terminação. Após essa jornada, ficaram alojados em pastos com água e boa disponibilidade de forragem para descansarem e se recuperarem. Eles tinham idade de 24 meses e chegaram ao confinamento com peso médio de 390 kg. Foram agrupados em 12 lotes de 100 animais e divididos em três tipos de tratamento: controle, aclimatação e aclimatação associada a exercício pré-abate. Os resultados mostraram vantagem para este último. 

Segundo Antony Luenenberg, coordenador técnico de Bem-Estar Animal da MSD, as melhorias proporcionadas pelo manejo de baixo estresse, em termos de ambiente de trabalho, conforto dos animais e segurança das pessoas, impacta diretamente a eficiência produtiva, pois ajuda a manter a saúde dos animais em equilíbrio e, portanto, melhora o seu desempenho. “É fundamental que ele faça parte do dia a dia de todas as propriedades”, salienta.

Na base da calma

A aclimatação foi realizada diariamente nos primeiros 15 dias de confinamento, sempre no período da manhã e com duração média de 7 minutos por baia. A pesquisadora Janaína Braga, da BE.Animal, explica que a técnica consistiu em fazer com que os animais ficassem agrupados, de forma sequencial, em sentido anti-horário, nos quatro cantos da baia. Primeiramente, eles eram agrupados num dos cantos, até que se acalmassem. Após alguns segundos, um vaqueiro a pé mostrava o local para onde deveriam ir, usando apenas o movimento do corpo e o olhar, com vaqueiros a cavalo apoiando-o no manejo. Após passarem pelos quatro cantos da baia, os bovinos eram deixados na linha do cocho e os vaqueiros montados a cavalo saíam calmamente das baias”, explica Janaína.

Já o exercício pré-abate (uma novidade) teve por objetivo “treinar” os animais a sair calmamente do curral para embarque, visando redução do estresse nesse momento crítico e melhoria da qualidade de carcaça. Ele consistiu na retirada dos animais das baias e sua condução até o corredor de manejo, com retorno à baia, em seguida. Para que os bovinos tivessem memória do manejo, ele foi feito no 5º, 10º e 15º dias de confinamento e depois no 15º, 10º e 5º dias antes do abate. “Cada manejo foi feito de forma calma, sem tocar nos animais, e teve duração de seis minutos”, relata Janaína. 

Mais peso, menos doença

Os resultados mostraram que as técnicas melhoraram o desempenho e reduziram a incidência de doenças. O melhor ganho de peso foi observado no grupo que passou por aclimatação + exercícios (1,680 kg;/cab/dia), seguido pelo que recebeu apenas aclimatação (1,620 kg) e o controle (1,550 kg). A mesma ordem foi observada nos quesitos temperamento e comportamento alimentar, durante a fase de adaptação. Os animais do grupo aclimatado e que fizeram exercício apresentaram menor velocidade de saída da baia em direção ao corredor e compareceram em maior número ao cocho/bebedouro do que os do grupo controle. Já na terminação, os resultados foram semelhantes, mas o grupo apenas aclimatado foi em maior número ao cocho. 

Janaína Braga

Pesquisadora da BE.Animal

“Detectar mais problemas é benéfico.”

O estudo também confirmou a importância da aclimatação aliada a exercícios no aspecto comportamental. Nesse tratamento, verificou-se menos tentativas de monta. Já no aspecto sanitário, foram detectados mais casos de alteração no casco. Janaína Braga explica que esse resultado é consequência de um maior número de interações entre os vaqueiros e os animais, o que permite uma rápida identificação e tratamento do problema.
“Isso é visto como benéfico, tanto do ponto de vista do bem- -estar quanto econômico, pois possibilita a rápida detecção de animais doentes”, diz. Dos animais avaliados, apenas 15 precisaram receber medicamentos: os do grupo controle foram tratados por problema de refugo no cocho, pneumonia e pododermatite. No grupo aclimatação com exercício, as ocorrências foram apenas de pododermatite e pneumonia.

Firmeza para decidir pela técnica

Diante dos resultados positivos, a Grande Lago resolveu adotar a técnica de aclimatação como prática regular no manejo dos animais. “Ficamos muito satisfeitos com a melhoria no desempenho a cocho dos lotes aclimatados. Trata-se de uma medida que não gera custos para a operação. Exige simplesmente uma adequação na rotina do confinamento e treinamento da equipe”, salienta Júnior Caetano, gerente geral da Agropecuária Grande Lago. “Quem não puder aplicar a técnica em todos os animais, deve, pelo menos, usá-los nos grupos de risco, principalmente animais que viajam longas distância, estão com baixo escore corporal ou não acostumados ao cocho”, sugere Janaína.

Segundo ela, é preciso firmeza na decisão de mudar de atitude frente aos animais. “Esse tipo de manejo exige planejamento, treinamento e comprometimento dos colaboradores e monitoramento”, ressalta a pesquisadora. Não foi possível avaliar os impactos da exercitação pré-abate (que reduz a agitação no embarque) sobre indicadores post-mortem como qualidade de carcaça, nível de stresse e problemas sanitários identificados na linha de inspeção pelo SIF, que trazem informações ainda pouco exploradas no dia a dia da pecuária brasileira. Esses dados, porém, serão avaliados em estudos futuros.

“O importante é que cada vez mais produtores estão entendo que terminar bovinos em confinamento implica em mudanças significativas no ambiente natural e exige flexibilidade. Vemos cada vez mais confinamentos ofertando maior espaço por cabeça nos piquetes, reduzindo o tamanho dos lotes, fornecendo sombra aos animais, facilitando seu acesso à água de boa qualidade e usando técnicas de manejo para adaptação às condições do confinamento”, comemora Janaína. 

Fonte: Larissa Vieira/ Revista DBO